Quando mudamos as crianças de escola no início do ano eu estava apreensiva em como seria a adaptação deles já que estavam na antiga desde o primeiro aninho. Felizmente tudo correu muito bem e o acolhimento foi super tranquilo. Para Beatriz então, foi quase que imediato.
Lembro de chegar a sala de aula no primeiro dia com ela bastante ansiosa, mas extremamente feliz. E após um abraço apertado na nova professora me disse que eu já podia ir embora pra ficar com o Davi pois ela não estava mais tímida e ficaria bem. Saí de lá com o coração leve e uma sensação de que tudo daria certo.
No fim do dia, ao buscá-la na sala, a encontrei sentada na mesa com mais três amiguinhos brincando de massinhas. Mas ela estava mais próxima a um deles. Ao me abaixar pra saber como foi o dia, ela me apresentou o primeiro amigo que fez na escola:
– Mamãe, este é o Gabriel, meu novo amigo. A gente “tá” fazendo bolinhas juntos.
Meu coração de mãe mais uma vez se encheu de alegria. Ela já estava se sentindo parte daquela nova turma, estava interagindo de forma natural e leve como só as crianças são capazes.
Mais alguns dias na nova escola, novos nomes foram ganhando seus relatos animados no fim do dia, mas o do Gabi sempre estava no meio das histórias. Até que um dia ela chegou um pouco chateada em casa e ao perguntar “o por quê” veio a seguinte resposta:
– Estou triste, mamãe. O Gabi me empurrou hoje.
– Mas o que aconteceu filha?
– Não sei, mamãe. Não entendo nada que o Gabi fala. Eu gosto tanto dele mas agora ele tá andando bravo comigo.
Lembro de parar um pouco pra pensar em como deveria conversar com ela sobre o amigo e o acontecido. Eu não queria errar…
Gabriel tem síndrome de down e dificuldades com a fala. Eu sabia pouco sobre ele e não queria passar pra minha filha nenhum “rótulo” ou “pré”-conceito. Ela não havia visto nenhuma diferença no Gabriel até então. Por que eu deveria? Mas o fato dele não falar como ela foi sua primeira descoberta sobre a diferença entre eles e eu precisava dar retorno as suas percepções para ajuda-la a encontrar caminhos. Veio uma luz:
– Lembra filha, quando você era menorzinha e também não falava tudo? Você conversava com a mamãe com os olhinhos. Quando a mamãe não entendia, você ficava triste e brava. Chorava algumas vezes. A mamãe demorou um pouquinho mas, com muito amor, consegui entender você melhor. O Gabi ainda está aprendendo a falar. Mas isso não quer dizer que você não possa entendê-lo. Não fique triste, tente conversar mais com ele. Se ele fizer algo que não gosta, diga pra ele que ficou triste e que é amiga dele. O abrace. Vai dar tudo certo. Se precisar de ajuda, chame a sua profe.
Já no dia seguinte ela chegou em casa eufórica. Ela disse que tinha falado “bem sério” (palavras dela) com ele e no final da aula ganhou um beijo do amigo.
– Ele voltou a gostar de mim, mamãe!
Os dias se passaram e Gabriel continuou a ensinar pra minha filha coisas que eu nunca conseguiria ensinar na teoria. E a ansiedade – tão presente na personalidade da Bia – dá lugar ao encantamento quando o assunto é o Gabriel.
Ela chega em casa sorridente a cada nova descoberta sobre ele e com ele. Hoje ela sabe que ele fala muitas coisas do jeitinho dele e de maneira mais abreviada. Mas agora ELA entende. E ela sabe que quando ele cutuca seus ombros, quer chamar sua atenção. Que quando quer brincar de algo diferente, pega forte na mão dela e a leva “correndo” até a brincadeira que deseja fazer; Que quando quer dividir o lanche, leva um pedacinho do dele primeiro e oferece. Que dá alguns gritinhos quando está muito alegre. Que se isola quando está triste. Que gosta de beijos, apesar de ficar meio envergonhado quando recebe.
Foi ela que me contou cada uma dessas descobertas. Ninguém disse nada disso pra ela. Não teve aula teórica. Apenas crianças vivendo e convivendo. Conhecendo o outro, tentando se relacionar, criando pontes, se respeitando. Como nós, adultos, deveríamos fazer.
Mas então essa semana a mãe do pequeno Gabriel nos conta que ele vai mudar de escola; Ela decidiu encerrar um ciclo – segundo ela, feliz – pois percebeu que Gabriel não está mais evoluindo como deveria e poderia. Minha primeira reação foi bem egoísta. Fiquei muito triste com a decisão dela. Nossa turminha perde muito com a saída dele. O que o Gabriel ensina pra todo mundo, todos os dias, não se encontra na grade curricular do MEC e a escola não vai conseguir continuar ensinando por teoria.
Mas se eu estou preocupada com minha filha, do outro lado tem uma mãe atenta e leoa que sabe o que é melhor pro filho dela. E ela está seguindo seu coração e seus instintos. E em maternidade, nada é mais importante e coerente. Percebi que eu faria o mesmo. O Gabriel merece e tem direito aos melhores estímulos possíveis pra desenvolver todo o seu potencial. E eu seria muito ingrata e egoísta se não desejasse também o melhor pra este pequeno que já faz tanta diferença em nossas vidas.
Ao contar pra Bia que o amigo ia mudar de escola ela tomou um susto enorme e os olhos se encheram de lágrimas. Mas logo em seguida ela me perguntou se poderia continuar sendo amiga dele como permanece dos amigos da escola antiga. Mais uma vez minha pequena sensível me lembrou o óbvio: amigos a gente escolhe e cultiva.
Eu prometi a ela que SIM e é o que desejo de coração. Manter nossos vínculos com essa família querida além das paredes do ambiente escolar. Nas festinhas ou passeios programados? Sim, claro. Mas também em encontros descompromissados, numa visita sem muita cerimônia ou num lanche em casa só pra brincar. Espero de verdade que esse rapazinho continue na vida da gente e que esta amizade cresça e se fortaleça. E que a nova escola dê a ele histórias e vivências incríveis pra compartilhar com a gente…
Até breve, Gabi!
11 Comentários
Muito lindo, Carol! ❤️❤️❤️
Obrigada querida!
Amo vc!!!
Me too…
Coisa mais linda meu Deus! Parabéns por ser essa mãe especial e iluminada, sua filha consegue representar o que mais recebe em casa: amor!!
Para nós mães de filhos com Down nada mais enche nosso coração que o carinho e acolhimento por parte dos colegas/família que acompanham sua caminhada.
Queria eu poder dar um beijo e um abraço bem apertado representamos todas as mães .
Mil beijos !
Ô Karin! Seu abraço apertado chegou aqui viu. A gente tem sempre muito o que aprender com nossos filhos. Beijo no seu coração.
Belissima mensagem de vida.
Que apredizado!!!
Filhos são professores incríveis, Elizete. Obrigada por seu carinho. Beijos.
Ahhh Bruna! Que mensagem mais carinhosa. Beijão pra você e pra Maria Alice.
Carol, seu post nos trouxe muita emoção!
Me lembro do primeiro dia de aula da Beatriz e os dias seguintes, Gabriel sempre brincando com a Beatriz!
Gabriel ficou 3 anos e meio nessa escola e recebeu muito mas muito carinho dos amigos. Me lembro de cada relato das mães e das professoras, foi um tempo muito rico para todos nós. Um grande bjo para todas as mães e um especialmente para você ❤️❤️❤️
Eldes querida! Vocês moram no nosso coração. Fico muito feliz que meu texto tenha emocionado você de alguma forma. Viu só quantas mensagens cheias de afeto tenho recebido por aqui? Como já te disse, Gabi continua espalhando amor. Obrigada por ser uma mãe tão inspiradora e por aceitar nosso compromisso de cultivar essa amizade bonita: entre nossos filhos e entre a gente. Até breve!